sexta-feira, março 29, 2024

É impossível ser ecológico enchendo a ecobag de carne e queijo

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Esse planeta que habitamos e chamamos de Terra, essa Terra que sabemos que é redonda e que gira ao redor do Sol, esta mesma Terra (cada vez menos) azul e verde, merecia um pouco mais da nossa atenção.

Não sei se o leitor sabe —eu mesma só me dei conta porque fui contatada por um colégio para uma ação comemorativa em função da data— mas amanhã, dia 5 de junho, celebra-se o Dia Mundial do Meio Ambiente.

Quais são os motivos que temos para comemorar, sobretudo em um país onde tanto o ministro do Meio Ambiente quanto o (já afastado) presidente do Ibama são alvo de investigações por facilitar a exportação ilegal de madeira?

Se fossemos fazer uma festinha para o Meio Ambiente, quem é que conseguiria engolir a seco os salgadinhos e docinhos diante de um cenário tão devastador?

Cheguei ao colégio, em Cascais (Portugal), duas horas antes do início da minha oficina de cozinha sustentável. Moro na margem sul de Lisboa, no outro extremo do rio Tejo, e quis evitar atrasos e imprevistos na ponte. Coloquei meu dolmã e me dispus a ajudar na cozinha até começar a oficina.

Centenas de hambúrgueres de carne de boi. Queijo. O cheiro delicioso de manteiga das dezenas de assadeiras de crumble. E eu ali, olhando as crianças pela janela de vidro da cozinha, entretidas em oficinas de reciclagem de plástico e de plantio de árvores.

Foi um sentimento contraditório: a vontade de pegar um pedaço de crumble, embora eu soubesse que não era vegano. Minhas mãos embalando hambúrgueres rosados de sangue, ainda que ninguém tivesse solicitado minha ajuda.

Uma alegria em estar em um colégio que tem um baita projeto pedagógico bacana. Uma sensação de falta de sentido em falar de cozinha sustentável, em meio às comemorações do meio ambiente, ao perceber que o menu do dia incluía hambúrgueres vegetais apenas para as crianças vegetarianas e veganas.

No fundo, esses sentimentos díspares eram um reflexo de uma dissociação muito maior, entre aquilo que gostamos ou nos habituamos a comer e o meio ambiente que queremos ou precisamos para sobreviver. Como se não pudéssemos enxergar o mundo no prato, e o prato no mundo.

E porque, caso queiramos fazer festa para o meio ambiente, as coxinhas precisam ser de jaca? A resposta vem de uma pesquisa feita por cientistas da Universidade de Oxford, publicada em 2018, e que segue sendo atual. Uma dieta vegana é a forma mais eficaz de reduzir o nosso impacto no planeta terra, não apenas na emissão de gases de efeito estufa, mas também na acidificação dos oceanos, uso da terra e da água.

O estudo revelou que se o consumo da carne e de laticínios fosse zerado, teríamos uma redução de 75% do uso de terras agrícolas, uma área equivalente ao tamanho da China, Europa, Estados Unidos e Austrália somados. Ao contrário do que poderíamos imaginar, os 25% de terra remanescentes seriam suficientes para alimentar toda a população global à base de plantas, o que implicaria numa redução de 73% na nossa pegada ecológica.

Sei o quanto o veganismo pode parecer distante para muitos de nós, e o quanto pode atualmente ser impraticável por questões sociogeográficas. Lembro-me de romper meu vegetarianismo aos 16 anos, quando passei doze dias em um assentamento do Movimento sem Terra, no interior do Pernambuco, por não ter acesso à vasta variedade de vegetais que tinha em São Paulo.

O veganismo pode ainda ser antagônico a certas práticas culturais ou religiosas —o sacrifício de animais em cultos feitos aos Orixás no Candomblé, por exemplo.

Mas existe uma boa camada da população —ou de uma bolha— que poderia fazer essa escolha agora, e não o faz. Pessoas que usam escova de bambu ecológico, comem orgânicos, ovos de “galinhas felizes”, usam sacos de pano nas compras e canudo de metal, mas afirmam ser impossível viver sem carne ou sem queijo.

Pois é igualmente impossível ser ecológico enchendo a ecobag de carne e de queijo.

Toda medida é válida quando falamos de recuperar o quanto já devastamos do meio ambiente. Mas, se não estivermos dispostos a mexer no nosso prato para reduzir o consumo de animais e de seus derivados, corremos o risco de achar que ser um consumidor eco-friendly basta, quando no fundo sabemos que isso é apenas um band-aid.

Começar com metas palpáveis, como aderir a um dia da semana sem nada de origem animal —ou até mesmo uma única refeição— pode ser uma opção viável, com redução de impactos ambientais consideráveis.

Quando estava indo embora do colégio, passei por uma oficina de cartazes. Um deles dizia: “não é o planeta que depende de nós, somos nós quem dependemos dele”. Façamos nossa parte.


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Fonte feed: Via Feed Folha de S.Paulo