Azeite como ingrediente de pratos doces —bolos, por exemplo— não é uma novidade. Eles ganham uma textura mais fluída, e um sabor mais fresco e vegetal que as deliciosamente perversas manteigas e cremes.
Mas como parceiro do chocolate, o azeite é menos difundido. Seu impacto no paladar é semelhante. E de certa maneira aproxima o chocolate do que, como gastronomia, foi no início.
Afinal, domesticar o amargor do chocolate adicionando açúcar, transferindo-o para o território das sobremesas, é uma certa novidade na história, criada pelos europeus. E somente quando o açúcar passou a ser produto menos escasso e caro —alguns séculos depois que ambos, cacau e açúcar, passaram a frequentar o velho continente com assiduidade, graças à chegada dos produtos do novo mundo.
Pois até então, o cacau, que foi encontrado pelos navegadores na América do Norte, no que hoje é o México, não era usado como doce, e aparentemente o jeito de balancear seu amargor era acrescentando… pimenta. Aliás, no México o uso do chocolate na cozinha salgada segue até hoje habitual.
A atual conjunção do chocolate (à moda de hoje em dia, temperado com açúcar) com o azeite cria um produto ligeiramente distinto, mas igualmente atraente. As boas amostras que andei experimentando mostram que o frutado do azeite extravirgem, e a gordura mais leve que a do leite, produzem uma boa delicadeza (não que o leite e seu creme atrapalhem, pelo contrário: estes, que agregam corpo e volúpia, são deliciosos, apenas distintos).
Eles vêm de várias origens. Do Rio Grande do Sul, o Casa Gabriel Rodrigues é o mais convencional, tem mais adocicado, e a crocância de nozes-pecã —a empresa na verdade é produtora de azeite, a barrinha de chocolate é um acessório de sua linha.
A marca Flé tem um apelo mais diversificado de consumo, com um enorme leque de produtos feitos com azeite da serra da Mantiqueira em São Paulo (embora sediada em Curitiba). O chocolate é importado (Callebaut) e comedido em amargor (cacau 54%); sua linha de produtos inclui desde brownies gostosos até uma divertida foundue (tabletinhos de ganache de sabores variados, para mergulhar numa calda quente).
As ofertas mais instigantes, entre as provadas, foram as com um perfil mais gourmet, mais ousado. De um lado, o chocolate produzido pela marca baiana Amma, conhecida por seus produtos orgânicos nascidos na mata Atlântica, de amargor moderado (54%), em associação com o azeite português extravirgem Andorinha. Aqui, a provocação gastronômica está na adição da flor de sal, que é outro toque contemporâneo (mas que remete às origens) no jeito de comer chocolate.
Na mesma linha de realçar os sabores mais acentuados provei o Uma Doce Revolução, produzido numa microchocolateria do interior de São Paulo, na serra da Mantiqueira. Neste o cacau orgânico tem concentração de 75%, e seu amargor (e textura) deve ser arredondado pelo azeite extravirgem extraído na mesma região. E funciona, com um aroma que arrebata e um paladar adulto.
Fonte feed: Via Feed Folha de S.Paulo