sexta-feira, março 29, 2024

Que vergonha ter me fantasiado de Capitã Clorofila

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Um estudo recentemente publicado na BMJ Nutrition, Prevention and Health, da Universidade de Cambridge, relaciona hábitos alimentares aos riscos de desenvolver casos moderados a graves de Covid-19.

Realizado com profissionais da saúde de seis países diferentes (Itália, França, Espanha, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos), o estudo concluiu que aqueles que declararam seguir uma dieta “plant-based” tiveram uma chance 73% menor de desenvolver quadros de Covid-19 moderada a grave do que aqueles que relataram não fazer nenhuma restrição ao consumo de carne.

Passei a maior parte da minha vida sem realmente gostar de vegetais mas, desde cedo, topei comê-los o quanto pude, porque “fazem bem”. Lembro da minha avó colocar sempre uma verdura refogada no meu prato, para o meu desespero.

Do meu pai tentando me convencer a provar sua salada de repolho —fatiado bem fininho e amassado com as mãos, temperado com sal, pimenta preta, vinagre e azeite. Ou da minha mãe com as cenouras cortadas em palitinhos na hora do lanche. Eu tapava o nariz e mandava tudo para dentro.

Voltando ao estudo da BMJ. Não demorou muito tempo e alguns médicos, nutricionistas e figuras públicas da comunidade vegana começaram a divulgá-lo nas redes sociais sob esse mote: “Imagine um remédio que reduzisse em 73% sua chance de ter Covid grave. E cujo único efeito colateral fosse fazer você se sentir bem, reduzir suas chances de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e câncer, e ainda emagrecer. Você tomaria? E se não fosse um remédio, mas uma mudança de hábito?”.

Eu li, fiquei eufórica e quis também compartilhar as boas novas. Publiquei em meu Instagram um post fazendo essa associação entre alimentação e remédio, remédio e Covid. Minutos depois, entrei em pânico. O almoço ficou indigesto.

Remédio? Rapidamente apaguei o post e pedi desculpas. Agradeço aos seguidores que me alertaram naquele momento sobre o perigo de fazer qualquer menção a um “remédio”, ainda que entre aspas, em um país onde o presidente é Jair Bolsonaro. Onde nem todos usam máscaras, e muitos agem como se a vacinação fosse uma escolha pessoal, e não uma questão de saúde pública.

Não podemos dar margem para sermos interpretados como os defensores de uma nova cloroquina. Ou ainda de promover a alimentação à base de vegetais a partir do medo de se terminar em um leito de hospital com ventilação artificial. Que vergonha ter me fantasiado de Capitã Clorofila em pleno junho de 2021.

Hoje eu mal me reconheço naquela criança que jogava o brócolis debaixo da mesa na esperança de o cachorro abocanhar. Curioso como o paladar é algo que se educa, principalmente quando nos propomos a aprender a cozinhar vegetais. Desde que aposentei minha panela de vapor e mergulhei na culinária vegetal, a preocupação em comer os nutrientes x, y ou z começou a ceder espaço para o prazer em comer.

Eu como a cenoura pelo gosto doce e aromático, pela textura crocante quando ralada crua na salada ou tenra quando assada em crosta de sal.

Já cozida às rodelas eu não como, ou evito comer. Porque faz mal? Não, simplesmente porque me lembra os buffets vegetarianos dos anos 1990, com cenouras fervidas como se fossem virar sopa, mas que acabavam no meu prato porque eu olhava para os vegetais quase como “remédios”. Não importava o gosto, eu comia.

Voltando ao estudo em questão, ele gerou polêmica na comunidade científica pelos métodos utilizados, sobretudo pelas respostas terem sido autorreferidas via internet (a partir de um questionário de mais de cem perguntas) e do curto espaço de tempo em que foi realizado (de 17 de julho a 25 de setembro).

Ele aponta para uma direção clara: a de que uma alimentação predominantemente centrada em vegetais, cereais integrais, frutas, leguminosas (como o feijão, a lentilha e o grão-de-bico) e oleaginosas (como a castanha de caju, o amendoim e o gergelim) diminui significativamente os riscos de desenvolver um quadro moderado ou grave de Covid-19. Mas não conseguiu estabelecer uma relação causal entre uma coisa e outra.

Para mim, o maior aprendizado que fica é que, nesse caso, comida é comida, remédio é remédio, e nada substitui a vacina, a máscara e o distanciamento social.

Fonte feed: Via Feed Folha de S.Paulo