terça-feira, março 19, 2024

Seis dicas para começar a transição para o veganismo

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O título da coluna é uma pergunta sem resposta certa, mas, quando conversamos com pessoas já que fizeram a transição, percebemos que, embora não exista um único ponto de partida, existem passos em comum. Nesta e na próxima coluna, tentarei traduzir esses passos em dez dicas, a fim de ajudar aqueles que também querem adentrar o veganismo.

O maior desafio é sempre a alimentação, mas, antes de colocar todo o medo das restrições para derreter em banho-maria, vale lembrar: o veganismo não é uma dieta. O coração do veganismo é a compreensão de que os animais são seres sencientes, que sentem frio, medo, fome, amor, alegria, raiva e tristeza, entre outras emoções.

Esse entendimento contrapõe-se à lógica especista de que os seres humanos estão no topo da cadeia alimentar, e se estende para além do prato, perpassando o corpo e os hábitos de consumo.

Buscamos, sempre que possível, não compactuar com o sofrimento animal em nossas vestimentas, cremes e cosméticos, produtos de limpeza e em espetáculos de “diversão” que colocam animais em situação de exploração.

Importante expandir, também, a motivação em se tornar vegano para além da causa animal: toda a discussão em torno da crise climática tem atraído para o veganismo adeptos que se preocupam em salvar o planeta a partir de hábitos de consumo mais sustentáveis, o que implica uma alimentação livre dos produtos de origem animal.

Esclarecimentos feitos, vamos passar às dicas que podem facilitar o processo de transição para o veganismo:

1) Não jogue fora os produtos de origem animal já adquiridos.

Num primeiro momento pode soar paradoxal não colocar no cesto de doações a bota de couro, jogar no lixo os cremes que foram testados em animais e fazer a limpa na geladeira para não sobrar nenhuma fatia de presunto. A pauta vegana está, no entanto, intimamente ligada à ambiental, e o desespero em fazer sumir de casa a crueldade animal e a pegada de carbono do dia para a noite é uma atitude pouco sustentável.

Mais vale honrar a vida dos animais sacrificados e dos recursos naturais exauridos e consumir os produtos adquiridos. No meu primeiro inverno como vegana, já morava em Portugal, e me arrependi de ter doado todos meus casacos de frio com lã na composição. Sem saber àquela altura quais materiais poderia vestir para sanar o frio, na hora em que senti meus ossos congelados entrei na primeira loja e acabei comprando… outro casaco de lã. Aproveite enquanto ainda tem os produtos que sempre utilizou para pesquisar por novos produtos e alternativas veganas, não siga o meu exemplo.

2) Pense em incluir, e não em excluir alimentos.

Quase interrompi meu processo de transição quando me dei conta do óbvio: nunca mais comeria queijo, a coxinha da padaria, a feijoada da roda de samba, a galinhada do meu pai e o arroz doce da minha avó. Cheguei a duvidar de que haveria felicidade na vida de alguém que se priva de comer aquilo que gosta.

A ideia de “cortar tudo” me lembrava de todas minhas dietas fracassadas, por isso me esforcei para virar a chavinha da restrição para a inclusão de novos alimentos. Alguns deles, como os legumes, já eram velhos conhecidos, mas raramente entravam no meu prato, e eram sempre preparados do mesmo jeito. Outros, como a farinha de grão de bico, me abriram um mundo de possibilidades práticas, que eu jamais teria conhecido se não me permitisse comer “apenas” vegetais, por pura falta de hábito. Aos poucos, os produtos de origem animal foram ficando de fora do prato, sem que eu me desse conta de que estava “deixando de comer” algo. E todas as comidas afetivas ganharam, com o tempo, releituras mais condizentes com o século 21 e seus desafios (ainda falta recriar a galinhada sem galinha, essa receita ficou difícil).

3) Substituições existem, mas não espere pelo mesmo sabor (pelo menos não na cozinha de casa).

É absolutamente frustrante comer um queijo de castanhas esperando pelo sabor do queijo da vaca. Abrir o paladar para novos sabores é um exercício diário da transição, e preparar os substitutos em casa nos coloca em contato com os sabores, texturas, cores e cheiros reais dos alimentos. As carnes vegetais da indústria plant based podem desempenhar um papel importante na vida de quem quer fazer a transição, mas os vegetais não precisam ter gosto de carne para ser gostosos. Fazer ao menos uma vez o seu próprio leite, queijo e hambúrguer é uma boa oportunidade para perceber que comida gostosa vai muito além daquela preparada com os produtos de origem animal.

4) Organize a cozinha de casa para não precisar cozinhar do zero todos os dias.

Leguminosas (feijões, grão-de-bico, lentilhas, ervilha e favas) são uma das bases para uma alimentação vegana saudável, e podemos facilitar o consumo desses alimentos deixando-os já cozidos e armazenados no congelador. Hortaliças como folhas para salada, verduras para refogar e ervas frescas podem ser higienizadas e armazenadas na geladeira. E, para as semanas mais corridas, podemos contar com os grãos cozidos em vidro ou em lata, bem como com as folhas já higienizadas vendidas em sacos. Essa é uma organização básica que ajuda a liberar a criatividade na hora de cozinhar: com os alimentos pré-preparados, fica mais fácil visualizar as opções e preparar a refeição.

5) Paciência com a família e os amigos.

Um dos maiores desafios da transição é conquistar o apoio da família e dos amigos. Ao longo da transição, entramos em contato com dados alarmantes sobre a exploração animal para consumo humano, dos efeitos negativos que os alimentos de origem animal podem desempenhar em nosso organismo e sobre os impactos ambientais que eles têm.

Eu certamente me afastei —ou melhor, fui afastada— de amizades que não suportavam mais ouvir o meu discurso na mesa do bar. Deveria ter deixado as pessoas comerem provolone frito e calabresa acebolada em paz, e aguardado calmamente o momento em que algumas delas se sentiriam constrangidas diante de mim, para então tentar fazê-las perceber que esse constrangimento nada tem a ver com a minha presença, mas com o que elas mesmas sentem ao comer animais, e que eu respeito as nossas diferenças. Não tive essa maturidade.

6) Faça a transição no seu ritmo.

Quando o ritmo não é confortável, a chance de desistir é maior porque situações comuns de uma transição vegana —como comer um pão de queijo na rua por falta de opção, por exemplo— viram um grande fracasso, quando na verdade são aprendizados da jornada (da próxima vez, preciso levar um lanchinho). Não acredito em quem diz que fez a transição do dia para a noite, e olha que eu mesma já disse isso. É impossível identificar com exatidão o momento em que começa uma transição que envolve tantos aspectos práticos da vida. Hoje consigo reconhecer momentos muito anteriores à minha entrada no veganismo, que já sinalizavam o meu mal-estar em comer animais, embora eu considerasse impossível me alimentar de outro jeito.

Semana que vem volto com mais quatro dicas que podem ajudar na transição para o veganismo. Que tal aproveitarmos o formato online da coluna para construir um diálogo? Fique à vontade para comentar e perguntar sobre o tema “transição vegana”, terei o maior prazer em escrever a próxima coluna a partir dos comentários de vocês!

Fonte feed: Via Feed Folha de S.Paulo