Jornalismo é uma profissão que faz a gente pagar a língua de vez em quando. Há menos de três meses, eu escrevi sobre o copo Stanley no blog Cozinha Bruta:
“Se me virem com um copo desses… foi presente. Mas não vão me ver. Se eu ganhar um, vou beber escondido”.
Eis que eu comprei o tal do copo. Fui reembolsado, mas comprei. E aqui estou, narrando minha experiência com o artigo de ostentação mais topzera dos últimos verões.
Devo presumir que ainda haja quem não saiba o que é um copo Stanley. Trata-se de um copo, obviamente. Um copo térmico, feito de aço inoxidável, cujo propósito é manter frias as bebidas frias —e quentes as bebidas quentes.
Grande coisa, né? Também foi o que eu pensei quando ouvi falar do Stanley.
O que intriga é a modinha, quase um culto, criada em torno de um copo térmico. Um copo térmico que chega a custar quase R$ 200.
O Stanley virou item obrigatório dos garotões sarados que jogam beach tennis e vão beber cerveja depois. É o copo que mais passeia no mundo: vai com o dono para a praia, para o bar, para o Instagram. Aparentemente, você é um zé-ninguém fracassado se não possuir um copo Stanley.
Enquanto uns ostentam, outros tiram barato da ostentação. A stanleymania foi tachada de frívola e brega. Alguém lançou um copo americano de vidro com a estampa “Stanley é meuzovo”. Polarização total.
Nem sempre foi assim. A Stanley é uma empresa americana que existe desde 1913, quando não havia TikTok. O negócio cresceu muito na Segunda Guerra, com o fornecimento de garrafas térmicas para pilotos de avião.
A tecnologia de isolamento térmico inventada pela Stanley foi usada no transporte de órgãos para transplante e de sêmen congelado de touros.
Para pessoas físicas, a companhia especializou-se em produzir garrafas, copos e outros artefatos para trilhas, camping e tudo quanto é atividade ao ar livre.
Artigos robustos e duráveis, o que fez nascer o brilhante chamariz marqueteiro: garantia vitalícia. Quem não topa desembolsar 200 contos num copo que, além de ser um baita de um copo, é o último copo que você precisará comprar na vida?
Mais de um século depois, o copo térmico virou febre no litoral brasileiro. O registro mais antigo do culto ao Stanley data de janeiro de 2020, numa reportagem do jornal A Gazeta, de Vitória.
Diz o texto que o copo “virou moda entre os mais ligados nas novidades no Espírito Santo”. Segundo a mesma fonte, a stanleymania se originou nas areias de Bacutia, Três Praias e Praia da Aldeia, em Guarapari –pontos de veraneio da elite capixaba.
O que, no copo Stanley, seduz multidões? Dizem que é sua capacidade de manter a cerveja gelada por 4,5 horas. Mas quem fica com a cerveja por tanto tempo no copo? Não importa. Vamos testar a bagaça.
Comprei o copo pelo canal de vendas oficial da Stanley. Peguei o “beer pint” na versão com tampa (e abridor de garrafa acoplado!)… se é para fazer, façamos direito. Deu R$ 199, mais frete. A versão sem tampa custa R$ 149.
Encomenda recebida, ao primeiro teste. Beber cerveja, simplesmente.
Na velocidade em que eu costumo beber, a função térmica do copo Stanley não faz grande diferença. Bem perceptível é a sensação metálica na boca, bem parecida com a das velhas e amassadas canecas de alumínio da churrascaria Boi na Brasa.
Definitivamente prefiro beber no copo de vidro.
A prova seguinte foi mais controlada. Resfriei previamente o copo (como recomenda o manual) e deixei a cerveja lá dentro pelas 4,5 horas que o Stanley se compromete a mantê-la gelada.
Ao fim desse intervalo, voltei ao Stanley. A cerveja havia se aquecido um pouco –era uma noite bem quente em São Paulo–, mas ainda estava numa temperatura aceitável.
O problema estava no gás, ou na falta dele. Depois de 4,5 horas, a cerveja estava previsivelmente choca. Foi direto para o ralo.
Para o último teste, enchi o Stanley com água e cubos de gelo e o deixei ao lado da minha cama pela noite toda. A promessa da marca é conservar bebidas com gelo por espantosas 15 horas.
Não esperei tanto, mas depois de nove ou dez horas ainda havia gelo boiando na água. Ponto para o copo Stanley. Mas não me parece o suficiente para desembolsar duzentão.
Um pouco antes de começar a escrever este texto, o sommelier de cerveja Edu Passarelli apareceu todo pimpão com o Stanley, numa foto de Instagram, na piscina. Pô, sommelier! Mandei mensagem para ele: “Qual é a desse copo?”
“Para piscina e praia é ótimo”, respondeu, com entusiasmo, o sommelier. “Nessas situações, a cerveja esquenta bem mais rápido do que o ritmo em que eu bebo. No Stanley, o copo até aquece por fora, mas a cerveja continua gelada.”
E nas outras situações? “Aí é bem melhor beber no copo de vidro.”
Bia Amorim, também sommelier de cerveja, concorda: “É um bom copo para vários momentos, mas não todos.” “Não arrumaria briga por ele”, completa, em referência aos ânimos exaltados das torcidas pró e contra o Stanley.
Quem falou em briga? O copo é excelente, só faltou a piscina. Isso eu não tenho. Da próxima vez, compro uma piscina e mando a nota fiscal para reembolso.
Fonte feed: Via Feed Folha de S.Paulo