terça-feira, março 19, 2024

O que (não) dizer num date vegano, por Terra Vegana

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Sexta-feira passada descobri uma nova vocação através de um amigo de colégio, que me enviou um WhatsApp meio histérico, meio desesperado, pedindo conselhos de “cantadas veganas”.

Explico: Renan (nome fictício para não perder a amizade de vinte anos) deu match no Tinder com Ana (nome também fictício, na ilusão de que esta coluna passará despercebida pelos dois).

Ana era “a” garota popular do colégio: cabelo e make sempre impecáveis, barrinha de cereal com chá light no intervalo, oradora da turma na oitava série e no terceiro colegial, voluntária na AACD, herdeira de uma casa de três andares na Riviera, à qual eu e Renan nunca fomos convidados para passar o carnaval.

Renan era da minha turma. Nós dois meio nerds, meio rebeldes e, por mais que o punk-nota-dez tenha passado o colegial inteiro apaixonado por Ana, no fundo sabia que não tinha a menor chance. Era apenas mais um na fila, e sua senha nunca foi chamada.

Eis que, dezessete anos depois, entre deslizadas de tela no celular… um jogou coraçãozinho para o outro e o encontro foi marcado.

“Preciso de dicas. Como conquistar uma mulher vegana logo no primeiro encontro? O que você acha que eu posso falar e que vai pegar bem?”. Ui, missão difícil fazer numa noite o que você não conseguiu fazer em anos, meu amigo. Mas, como diria Chorão (de quem éramos fãs), “o impossível é só questão de opinião”. Então, vamos lá.

Primeiro, não pergunte o que ela come. É muito chato sentar num bar e se entender no consultório de uma nutricionista. Sem falar que a gente se sente um extraterrestre nessas horas, dá mesmo vontade de ir pessoalmente até Marte verificar se afinal existe ou não vida lá, de tão constrangedor que é.

Comemos arroz, feijão, verduras, frutas, castanhas, lentilha e macarrão. Comemos de tudo, sem frescuras -apenas não comemos animais.

Não diga a ela que você ama o seu cachorro, que teve uma tartaruga na infância, e que ficou deprimido por três meses quando a sua gata morreu (sobretudo se estiver agarrando um pedaço de frango a passarinho ou mergulhando um bolinho de carne seca na pimenta enquanto manifesta o seu amor aos animais).

Não dê desculpas para justificar o fato de que você come frango, carne, porco, peixe, ovos, queijos, mel e que bebe leite de vaca. Acredite: ela provavelmente também gostava do sabor de tudo isso. Nós não esperamos nenhuma justificativa porque um dia também estivemos lá e sabemos como é nascer e crescer numa família e sociedade que naturaliza o abate e consumo de animais por seres humanos.

Sob hipótese nenhuma argumente que esse consumo é necessário devido ao seu grupo sanguíneo. Nada é capaz de enervar mais uma vegana do que a distorção de teorias (muitas vezes “pseudo”) científicas, cujo único efeito é amenizar a culpa de quem come.

Sei que você virou crossfiteiro, então peço encarecidamente que não entre no papo das trocentas proteínas de origem animal que precisa consumir para alimentar os seus músculos.

Ela vai te mandar assistir “Dieta dos Gladiadores” (disponível na Netflix) antes de te mandar para aquele lugar, e ainda vai jogar na sua cara que Kelly Slater, um dos maiores campeões da história do Surf, é vegano e conquistou agorinha há pouco o campeonato mundial de Pipeline aos 50 anos de idade.

Peça batata e mandioca frita, ou marque um encontro num bar que tenha opções veganas mais interessantes.

Pergunte a ela porque ela decidiu virar vegana, e escute com curiosidade, em vez de enumerar todos os motivos pelos quais você não consegue ser vegano. Talvez você simplesmente não queira ser, e tudo bem.

Isso não te impede, no entanto, de começar a fazer algumas refeições 100% vegetais na semana, nem de trocar o shake de whey protein pelo shake de proteína de ervilha (tem uns com sabores ótimos, aliás).

Perceba que, mais do que as coisas a dizer você precisa pensar sobre as coisas a fazer, e isso desde já. Assim, na hora do date, vai dar para agir com naturalidade e empatia em relação à escolha dela de ser vegana.

Reduzir a pessoa ao veganismo, Renan, seria a coisa mais broxante possível – somos múltiplas e ser vegana é apenas um pedacinho da nossa identidade.

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Fonte feed: Via Feed Folha de S.Paulo