Nega maluca é o nome tradicional de um bolo de chocolate muito do ordinário –no sentido de comum, já me adianto em explicar, pois a pauta do dia é a interpretação das palavras.
A massa leva farinha e chocolate (evidentemente), mais leite, óleo, açúcar e fermento químico. A calda é algo como um brigadeiro mais ralo.
Uma padaria de São Paulo, após circular da sindicato patronal que desaconselhava o uso de termos ofensivos, decidiu rebatizar o bolo. A nega maluca virou bolo afrodescendente.
O padeiro paulistano operou a façanha de desagradar todo mundo.
“Achavam que a gente queria polemizar”, declarou Mauro César Proença à coluna de Monica Bergamo. Como não achar?
O nome “bolo afrodescendente” rodopia em escárnio. Ainda mais com as letras “N.M.”, ao lado na etiqueta, que naturalmente não remetem a “Nogueira, Marcos”.
Na trincheira dos reacionários, Proença pagou de frouxo que cedeu à lacração dos esquerdopatas identitários.
Sergio Camargo, sempre ele a sabotar as causas de sua gente, tuitou:
“Também estão na mira da patrulha politicamente correta a maria-mole, teta-de-nega e língua-de-sogra. Querem criminalizar bolos.”
Salvo engano terrível, nenhum dos três artigos citados é bolo. Língua-de-sogra sequer é alimento –talvez ele tenha pensado no olho-de-sogra, beijinho de leite condensado com ameixa seca.
Que seja olho ou língua… a sogra e a maria-mole me parecem zoeira tonta, embora eu realmente não saiba onde o calo pega para certas pessoas.
Mas teta-de-nega, meu velho???
Eu já soube da existência desse doce e a apaguei da memória –leseira, nada a ver com virtude bloqueadora. Trata-se de um merengue, disposto em forma cônica sobre uma base redonda de biscoito, e posteriormente coberto com chocolate.
É o doce que a Kopenhagen vende há décadas sob o nome Nhá Benta. Aliásssssss…
Serjão Camargo acha belezura que alguém entenda um merengue como o seio de uma mulher preta e se lambuze ao comer, cascando de rir, diversão salutar do homem branco meritocrata.
Claro que ocorre certo exagero no revisionismo dos nomes das comidas. A imprensa portuguesa deitou e rolou porque, no Brasil, o iFood censurou a punheta de bacalhau e as batatas ao murro.
Por justificativa, incentivo à violência e à lascívia desenfreada. O brasileiro é um otário que ridiculariza o português sem compreender patavina do senso de humor lusitano.
A punheta e o murro têm duplo sentido, pois, mas ambas as preparações envolvem o uso do punho. Para amassar a batata e desfiar o bacalhau, sem sacanagem nem violência, sem ofender o punho.
Quanto à tradição de botar nomes racistas em doces, o que custa mudar? O que custa chamar um bolo de chocolate comunzinho de “bolo de chocolate”? “Merengue com chocolate” fica até mais vendedor.
Não é razoável seguir pisoteando mulheres negras para preservar a tradição dos doces criados na casa grande. Mudar é fácil e indolor.
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Fonte feed: Via Feed Folha de S.Paulo