Desde 2008, o dia 26 de setembro é marcado por mobilizações em torno dos direitos da pessoa surda no Brasil
“Eu achava que o trabalho não era lugar para surdo”. A declaração da jovem Stefany Carvalho, de 24 anos, expressa a percepção de uma brasileira surda que vive em uma nação excludente. Os dados do último Censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o país ainda tem um longo caminho a percorrer para superar o capacitismo e ter uma sociedade mais inclusiva. “Eu acredito que grande parte das empresas não quer a gente”, complementa.
E a pesquisa realizada em 2022 sugere que Stefany está certa. Naquele ano, a taxa de participação do brasileiro na força de trabalho cai de 66,4% entre as pessoas sem deficiência para 29,2% entre os deficientes. Isso significa que, dos 17,5 milhões de brasileiros com alguma deficiência a partir dos 14 anos de idade, 12,4 milhões estavam sem trabalho em 2022.
Há pouco mais de um mês, Stefany Carvalho saiu desta estatística e conquistou o primeiro emprego por intermédio do Programa de Aprendizagem. Hoje, ela atua no setor administrativo do Instituto João Carlos Paes Mendonça de Compromisso Social (IJCPM) em Aracaju.
Diante do caráter excludente do mercado de trabalho, a decisão de buscar uma oportunidade não foi fácil e só veio agora, na vida adulta. Após ter participado de três cursos no Instituto (Informática Básica, Maquiagem e Português para Surdo), a jovem conversou bastante com as coordenadoras da instituição até superar a sua insegurança.
Acolhimento
Os benefícios da rotina dividida entre as aulas de Aprendizagem no Senac Sergipe e o trabalho no IJCPM vão além da remuneração salarial. “Estou gostando muito dessa experiência como Jovem Aprendiz. Está sendo muito importante para mim”, relata.
Romper a barreira da comunicação costuma ser um desafio para contratação de pessoas surdas, mas a experiência de Stefany mostra que o desejo de acolher e a disposição para aprender superam qualquer obstáculo. “Em nossa equipe, temos pessoas que conhecem a Libras em diferentes níveis e, quando precisamos, acionamos a intérprete. Entendemos que a acessibilidade linguística compreende também o desejo em comunicar com o surdo de todas as formas possíveis e alguns aplicativos também ajudam quem não conhece a Libras. O mais importante é a empresa querer acolher a pessoa surda”, afirma Paula Libório, coordenadora de Projetos Sociais do IJCPM Aracaju.
Paula destaca também que o convívio com Stefany tem sido muito enriquecedor. “A equipe está mais empolgada em aprender Libras e a Stefany é super disposta a ensinar. Essa troca tem sido muito importante para todos”, comemora.
E o que era considerado impossível para Stefany, agora é uma realidade que traz novas perspectivas para a jovem. “Hoje, entendo que posso trabalhar em uma empresa. Estou disposta a aprender. A minha vontade mesmo é ser depiladora. A minha mãe é manicure e penso em trabalhar com ela, montar uma empresa para nós duas trabalharmos juntas”, planeja.
Se os objetivos de Stefany se concretizarem, a futura empreendedora vai engrossar o percentual de pessoas com deficiência que trabalham por conta própria no Brasil. Essa é a principal modalidade de ocupação dos brasileiros deficientes, segundo o Censo 2022: 36,5%, seguida de emprego em empresas privadas com 35,4%.
Pessoas com deficiência em Sergipe
O último Censo revelou que 8,9% da população brasileira a partir de 2 anos de idade tinham algum tipo de deficiência em 2022, ou seja, 18,6 milhões de pessoas. Destes, cerca de 2,5 milhões relataram ter algum nível de surdez. E Sergipe era o Estado com a maior proporção de pessoas com deficiência no país, 12,1% da população sergipana.