Leitura, atividades manuais e jogos de tabuleiro ajudam a prevenir o “brain rot”

Com iniciativas simples, Instituto JCPM em Aracaju busca reduzir o uso de telas e contribuir com a socialização e o pensamento criativo dos alunos

O Brasil é hoje o 2º país do mundo onde a população fica mais tempo on-line, com média de 9h13 por dia. Segundo o Relatório Digital 2024 da We Are Social e Meltwater, estamos atrás apenas dos sul africanos. Isso significa que passamos mais tempo conectados do que dormindo. Temos cerca de 6,4 horas de sono por noite, quando o recomendável para os adultos é de 7 a 9 horas.

Entre as consequências desse excesso estão sintomas típicos do que os especialistas chamam de “brain rot” — uma espécie de desgaste mental silencioso. Problemas de sono, solidão, baixa autoestima, ansiedade e depressão são algumas das consequências para quem passa a maior parte do dia conectado e nas redes sociais.

O Relatório Digital 2024 aponta também que o Brasil ocupa a terceira colocação no ranking de uso das redes sociais. Durante as 17,6 horas em que fica acordado, o brasileiro passa mais da metade do tempo conectado à internet e 3h37 desse período são dedicadas às redes sociais.

É neste ambiente onde proliferam conteúdos e vídeos curtos, que se destacam pela capacidade de envolver os espectadores de maneira concisa e impactante. No entanto, pesquisadores apontam que, durante a visualização de conteúdos curtos e virais, é ativado o ciclo de dopamina, um processo neuroquímico associado à recompensa e gratificação. “Você tem essa satisfação que é rápida, mas não é duradoura. Então, cria um ciclo de dependência porque você quer, o tempo inteiro, estar feliz”, alerta a pediatra Kércia Alcântara. E esse ciclo pode prejudicar a capacidade de concentração e de reflexão profunda.

Menos leitores

Enquanto o brasileiro se conecta às redes sociais, há uma redução do hábito de ler. A 6ª Pesquisa Retratos da Leitura, realizada em 2024, revela que o Brasil teve uma diminuição de cerca de 6,7 milhões de leitores em quatro anos. Apenas 27% dos entrevistados terminaram a leitura de uma obra por completo em um período de três meses e a falta de tempo, o desinteresse pelo hábito e a preferência por outras atividades, como consumir conteúdos nas redes sociais, são os principais fatores que afastam as pessoas dos livros. 

Mas há resistência. Na contramão desse movimento, alguns jovens têm buscado atividades manuais e outras práticas que estimulam a criatividade e as relações interpessoais. Em Aracaju, iniciativas como as do Instituto João Carlos Paes Mendonça de Compromisso Social (ICPM) têm auxiliado a juventude nessa jornada.

A instituição atua contribuindo com a formação de jovens entre 16 e 24 anos, estudantes ou ex-alunos da rede pública de ensino. Além dos cursos regulares que estimulam o pensamento crítico e os debates presenciais, os alunos têm a oportunidade de participar de oficinas de férias e outras atividades que privilegiam a leitura, as artes e outras habilidades. “Não se trata de vilanizar a internet, mas de ensinar a usá-la de forma consciente”, destaca Paula Libório, coordenadora de Projetos Sociais do IJCPM Aracaju.

Crochê, jogos de tabuleiro e leitura

Para estimular a interação social e a criatividade, na área de convivência, há linhas, agulhas, lápis de cor, dominó e dama para a juventude ensaiar alguns pontos de crochê, colorir e se entreter. “Minha tia fazia crochê e me ensinou alguma coisa quando eu era criança. Quando eu vi as linhas e as agulhas, memórias afetivas foram ativadas e deu vontade de fazer de novo. Vou tentar fazer pulseirinhas da amizade”, relata Junyelly da Costa Silva, 18 anos, ao pedir ajuda da amiga mais habilidosa, Hellen Victoria Silva.

A técnica artesanal tem conquistado a juventude. “Sempre achei o crochê bonito, uma forma de arte. Acabei me interessando em aprender e comecei assistindo a videoaulas. Acho muito interessante e um bom passatempo também”, revela Hellen, de 16 anos.

Outra atividade que tem atraído os alunos e contribuído com a mudança de hábitos é o Clube de Leitura. Os encontros semanais conduzidos pela instrutora Raquel Santana unem música e literatura e os jovens nem percebem as horas passarem. “Costumo ler no ônibus, entre um compromisso e outro. Agora, estou reservando um momento só para ler – algo que eu não fazia. Estou me empolgando para ler cada vez mais”, conta Isaac Ramos, 21 anos.

O apreço pela leitura e a busca por atividades que promovam a interação social foram alguns dos motivos que levaram Ingridy Vitória Marques, 19 anos, a participar do Clube de Leitura. “Eu tinha perdido o hábito de ler, mas sempre quis participar de um clube do livro. Estou adorando. Gosto muito da dinâmica da professora Raquel. Ela sempre traz referências sergipanas”, relata.

Criatividade e socialização

Essas atividades promovem o que os pesquisadores chamam de ócio criativo: momentos desplugados que permitem a mente vagar, reconstruir-se, gerar ideias que não cabem em 15 segundos. Literárias, artísticas, contemplativas — são pausas que nutrem a saúde mental, estimulam empatia, atenção sustentada, diálogo real. A proposta é reconectar-se com o outro, com o silêncio e com a própria imaginação.

Isso não significa que as tecnologias digitais não estão presentes em sala de aula. “A internet, as redes sociais e a inteligência artificial são instrumentos importantes, inclusive no processo de aprendizagem. Em sala de aula, os jovens têm a oportunidade de conhecer como essas tecnologias funcionam e como utilizá-las de maneira crítica”, explica Raquel Santana.

Essa abordagem tem ajudado os jovens a superarem desafios pessoais. “Desde que comecei a participar das atividades do IJCPM, me sinto mais confiante. Eu era tímida e hoje consigo me expressar e interagir melhor com as pessoas fora do ambiente da internet. Estava vendo a hora em que nós, jovens, iríamos precisar da inteligência artificial até para puxar papo com alguém. Ter que pedir para IA: Estou no pátio da escola, como devo iniciar uma conversa com um colega?”, revela Ingridy.

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