A “mania de limpeza” pode esconder problemas mais profundos
O gesto cotidiano de aplicar álcool em gel — antes um símbolo de prudência sanitária — tornou-se, para uma parcela expressiva da população desde a pandemia, um comportamento repetitivo e angustiante. Estudos científicos apontam que em média 20% da população apresentou sintomas obsessivo-compulsivos relacionados à contaminação durante a pandemia. A análise foi publicada em um artigo no Journal of Psychiatric Research.
“O aumento do uso de álcool em gel não é só uma resposta racional a uma possível ameaça: em muitos casos, é a externalização de uma ansiedade que encontra no ato de higienizar um alívio temporário. Quando o gesto vira ritual e começa a roubar tempo, incrementar sofrimento ou provocar lesões físicas, precisamos olhar para trás: para as ideias, medos e padrões de pensamento que alimentam essa repetição”, disse a especialista em neuropsicologia, Carol Mattos.
A especialista ainda alerta: quando a higienização passa de prevenção a ritual, cresce o risco de sofrimento, isolamento social e danos físicos à pele.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), este último com sede nos Estados Unidos, recomendam que o uso de álcool em gel só se justifica quando não há disponibilidade de água e sabão, e que a formulação contenha pelo menos 60% de álcool para ser eficaz na desinfecção.
Carol diz que os atos repetitivos de higienização funcionam como alívio momentâneo da ansiedade — uma atitude negativa que reforça o ritual. “A linha entre prevenção e compulsão ficou mais tênue com a pandemia.
Não é apenas hábito: é uma mudança de padrão comportamental com impacto clínico, por isso, campanhas de saúde precisam equilibrar orientação técnica com mensagens que evitem reforçar comportamentos rituais em pessoas vulneráveis”, disse a especialista.
Caminhos para o equilíbrio
Embora o comportamento compulsivo ligado à limpeza e ao uso de álcool em gel possa gerar sofrimento, especialistas reforçam que há tratamento eficaz e resultados expressivos quando o quadro é identificado precocemente.
Segundo a American Psychiatric Association, a combinação de terapia cognitivo-comportamental (TCC) e, em alguns casos, medicação ansiolítica ou antidepressiva é o tratamento mais indicado para o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). A TCC ajuda o paciente a reconhecer e reestruturar pensamentos automáticos, diminuindo a necessidade de realizar rituais.
Segundo estudos do National Institute of Mental Health, nos Estados Unidos, até 70% dos pacientes têm melhora significativa dos sintomas quando tratados de forma adequada. Além disso, mudanças simples na rotina — como estabelecer limites claros para as ações de limpeza, praticar técnicas de respiração e mindfulness (prática de ter atenção plena no momento presente), e buscar suporte familiar — contribuem para a recuperação.
“O primeiro passo é entender que o transtorno não define a pessoa. Quando ela reconhece o padrão e busca ajuda, já começa o processo de libertação. O tratamento não se baseia em impedir a limpeza, mas em ressignificar o medo e aprender a viver sem precisar dele como ferramenta de controle”, explica Carol.

“Buscar auxílio profissional, reforçar comportamentos positivos, criar pequenas metas e celebrar os avanços são atitudes que fortalecem o cérebro na criação de novos caminhos neurais. Com acompanhamento adequado, o paciente não apenas retoma o equilíbrio, mas também recupera qualidade de vida e autoestima”, complementa a neuropsicóloga.
Carolina Mattos é psicóloga formada pela Universidade Paulista, pós-graduada em neuropsicóloga infantil pelo Cepsic (Hospital das Clínicas), em psico oncologia pelo Hospital AC Camargo, e em oncologia pediátrica pelo GRAACC.
É especialista no tratamento de dependentes químicos, analista comportamental e terapeuta integrativa.